Lula ganhou. Como ficam as políticas LGBTI+?
O que é preciso ser resgatado e reconstruído para darmos continuidade às políticas conquistadas historicamente pelas pessoas LGBTI+ no Brasil?
Após quatro anos de um governo de extrema direita - com ataques às políticas voltadas a corpos dissidentes e aos direitos humanos -, os movimentos sociais, a comunidade acadêmica e as organizações da sociedade civil estão na expectativa de um novo período para o desenvolvimento de políticas institucionais voltadas à população LGBTI+. Esta é uma promessa contida no plano de governo de Lula para os próximos quatro anos. Reverter retrocessos e absorver as demandas pró-direitos LGBTI é tão fácil como se imagina? O que é preciso ser resgatado e reconstruído para darmos continuidade às políticas conquistadas historicamente pelas pessoas LGBTI+ no Brasil?
Quando o Instituto Matizes nasceu, em meio a pandemia, estávamos vivendo a maior crise sanitária da história do país. Há dois anos, em 2020, o governo Bolsonaro consolidava sua proposta de desmonte na ciência, na saúde, educação e, em especial, nas políticas e programas de promoção dos direitos mínimos para os corpos dissidentes no Brasil. Trabalhos de décadas foram desfeitos no campo da promoção de direitos humanos e da redução das desigualdades em apenas quatro.
Ideias e expressões como "Ideologia de gênero", homeschooling, "kit gay" e "banheiro unissex" saíram do vocábulo da extrema direita, alinhadas a movimentos extremistas internacionais, e passaram a ser pautas frequentes nas Casas Legislativas. Porém, além das declarações LGBTI+fóbicas dadas pelo presidente e outros políticos conservadores, algumas das políticas conquistadas pela população LGBTI+ foram desestabilizadas ou extintas durante o governo Bolsonaro.
O que foi destruído…
No artigo "Políticas para LGBTI+ no governo federal: ascensão e queda", do portal Políticas Públicas do Nexo Jornal, o doutor em sociologia Matheus Mazzilli Pereira analisa como essas políticas foram desfeitas na atual gestão. Logo no início do mandato, em 2019, Bolsonaro renomeou o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entregando-o a Damares Alves, um quadro associado à oposição aos direitos e políticas LGBTI+. No mesmo ano em que ocorreu a troca de nome da pasta, Bolsonaro extinguiu vários conselhos de políticas públicas, incluindo o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT (CNCD/LGBT).
O artigo aponta também que uma decisão do Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo e, por seguinte, retornou com o Conselho, mas este passou a atuar sob nova reformulação que limitou o número de cadeiras da sociedade civil. Em 2020, Bolsonaro excluiu do orçamento anual do MMFDH qualquer ação específica para políticas LGBTI+ que passaram a ficar mais estritas a ações gerais dentro da pasta de direitos humanos e de emendas parlamentares. Houve ainda a revogação da 4ª Conferência Nacional LGBT, descontinuando um importante espaço de participação política e apresentação de demandas LGBTI+ ao governo. Em 2021, no entanto, se deu uma das ações mais contundentes para a retirada de direitos LGBTI+: a exclusão do Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT.
O que o governo Lula 3 promete fazer?
Em fase de transição de governo, Lula dá acenos para a recuperação de políticas que foram destruídas na gestão anterior. Apesar de não ter uma comissão para direitos LGBTI+ entre os 31 grupos técnicos, como aponta a reportagem da Agência Diadorim, foi anunciada uma equipe técnica diversa voltada para os direitos humanos. O ministério terá seu antigo nome retomado, com a extinção da palavra "família". Haverá ainda outras divisões ministeriais, voltadas à igualdade racial e às mulheres. A grande novidade é a criação de uma pasta específica para os povos originários.
Em seu plano de governo, o presidente eleito busca retomar a garantia de direitos LGBTI+ com algumas propostas. Na área de segurança pública há compromisso com "as políticas de segurança pública que contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+". Para essa área, é essencial que medidas sejam tomadas, tendo em vista que os registros de violência sexual contra pessoas LGBTI+ cresceram 88,4% em 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Além disso, a falta de dados em relação à segurança pública nos estados - responsáveis pelas polícias civil e militar - também se torna um grande problema. A ausência de transparência, a tipificação dos crimes e ações dessas instituições acabam prejudicando o trabalho jornalísticos, de pesquisa, dos movimentos sociais e de agentes do poder público que contribuem para o estímulo de novas políticas públicas para a população LGBTI+.
Lula promete, ainda, "políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão. Políticas que garantam o direito à saúde integral desta população, a inclusão e permanência na educação, no mercado de trabalho e que reconheçam o direito das identidades de gênero e suas expressões". Embora o desenho de políticas para pessoas LGBTI+ apareçam de forma mais dispersa, há indícios de abertura ao diálogo sobre uma série de direitos que precisam ser retomados nos próximos anos.
Investimentos em múltiplas áreas
Vale salientar que para a aplicação de algumas dessas políticas, o governo terá que negociar com o Congresso conservador e enfrentar, ainda, uma resistência bolsonarista que permanece nas ruas e nas redes com manifestações antidemocráticas.
Além das concretização das propostas específicas para a população LGBTI+, também é necessário reinvestir na produção científica, com especial atenção às pesquisas em humanidades. Durante os governos Temer e Bolsonaro, houve uma queda brusca no orçamento da Capes e CNPq - principais instituições federais de fomento à pesquisa no Brasil. Houve também represálias dentro de universidades federais, como escolhas de reitores contrárias à comunidade acadêmica e perseguição à educação e às pesquisas sobre gênero e sexualidade.
Com a possibilidade de maior abertura das instituições públicas federais ao diálogo com as populações minorizadas, serão muitas as frentes de atuação para movimentos LGBTI+ e sociedade civil restaurarem o que foi perdido. Entre as inúmeras ações a serem demandadas junto ao Executivo Federal é possível destacar algumas, como: a necessidade de realização da 4ª Conferência Nacional LGBT e fortalecimento dos conselhos participativos; a retomada de um órgão exclusivamente dedicado a políticas para LGBTI+ na esfera federal, como o Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT; realização de pesquisas periódicas de abrangência nacional com produção de dados robustos sobre a população LGBTI+ para orientar políticas e programas; retomada do Conselho Nacional de Combate à Discriminação à pessoas LGBT+ com paridade entre adinsitração pública e sociedade civil; inclusão das pessoas LGBTI+ na Política Nacional de Assistência Social; inclusão e padronização de um campo de preenchimento nos boletins de ocorrência que indique a motivação LGBTI+fóbica de um crime, por meio do Ministério da Justiça; reverter o rebaixamento realizado pelo governo federal do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) para retomar ações de referência internacional especializadas para prevenção e tratamento ao HIV/Aids, dotadas de orçamento adequado e articuladas aos movimentos sociais.
O Instituto Matizes se somará a esses esforços em articulação com outras organizações e movimentos sociais para a reconstrução e avanço das políticas LGBTI+.
Agradecemos pela leitura. Até a nossa próxima edição!